A Voz do Local. Afinal, da
mesma forma que o Mr. Jourdain do
Bourgeois Gentilhomme, na célebre aula de francês básico, ficou surpreendido com o facto de
sempre ter falado em prosa toda a sua vida sem o saber, nós podemos afirmar o
mesmo em relação às trocas, melhor, à economia da troca. No meio destas trocas e baldrocas,
a Carla Calado explica esta pluralidade e desafia a pensar projectos locais nesta base (Carlos Ribeiro)
Desde sempre coexistiram várias Economias, tantas que podemos
seguramente afirmar que a sua principal caraterística é ser plural,
concretizando-se de muitas e complexas formas no nosso dia-a-dia.
Economias
complementares
A crise económica internacional, uma ocorrência cíclica de
todas as economias de mercado liberais, veio relembrar a importância das
economias complementares que, face à escassez de dinheiro, proporcionem às
comunidades e famílias novas formas de aceder a bens, recursos e serviços.
Exemplo disso são os movimentos de transição que
têm vindo na surgir desde 2005. Com expressão um pouco por todo o Mundo, tem
por objetivo tornar as cidades mais autossustentáveis, menos dependentes de
recursos externos como o petróleo e reconcertadas com a natureza. Partindo da
confirmação de que o Planeta vive acima das suas possibilidades, ensaiam-se
soluções para que as sociedades se tornem mais resilientes face a pressões
externas, tais como crises económicas.
Consumo colaborativo
Nesta linha de pensamento, assistimos à proliferação de
iniciativas a uma escala global que preconizam formas mais colaborativas de
economia (Economia Colaborativa, da Partilha ou Sharing Economy) nomeadamente o
consumo colaborativo como meio de realizar esta transição. Neste contexto
fala-se de “prossumidores” ou seja, os participantes são simultaneamente
consumidores e produtores.
Transações sem recurso
a dinheiro
Exemplos disso são os projetos de trocas, que se estimam
sejam já centenas em Portugal. Na sua essência tratam-se de espaços (físicos ou
virtuais) de transação de bens e/ou serviços sem recurso a dinheiro. Nestas
iniciativas, na sua maioria lideradas por grupos informais ou nascidos no seio
do movimento associativo, qualquer pessoa pode transacionar algo que possua (um
artigo que já não utiliza, um dom ou serviço que possa proporcionar ou
simplesmente o seu tempo) e obter algo de que precisa de forma direta ou
indireta, geralmente através de um sistema de créditos ou moeda própria.
Quatro tópicos, quatro
lições
Acima de tudo, estes projetos ajudam a recuperar lições
importantes:
- Valorizar o tempo, os saberes e competências das pessoas
como algo transacionável democratiza a economia. O que
cada um sabe fazer e que não tem valor na economia de mercado passa a ser uma
forma de gerar recursos e assim criam-se alternativas dignificantes em que os
cidadãos recuperam o poder de agir sobre a sua situação económica.
- Viver em comunidade é um processo de negociação de Liberdades, mas as mais-valias são
inestimáveis. Recuperam-se momentos de convívio e alargam-se as redes de
entreajuda e suporte na vizinhança.
- O valor das coisas é relativo e podemos ser nós a
dar sentido de justiça aos preços. Uma hora de uma pessoa tem sempre que valer
mais do que de outra?
- A valorização do Bem Comum através da poupança, da reutilização e da recuperação dos hábitos
de consumo de artigos em 2a mão é essencial para um futuro mais
sustentável. Muitos dos projetos permitem a participação de crianças, o que
estende o seu potencial educativo para a geração seguinte. Ainda, alguns
recriam os materiais de artigos que não estão em estado de serem trocados para
criar novos artigos que podem ser vendidos para gerar algum fundo de maneio.
Fazer muito com pouco
Principalmente, e mais importante num Mundo movido a
dinheiro, os projetos de troca provam que é possível a qualquer conjunto de
pessoas fazer muito com pouco (ou como nalguns casos nenhum) dinheiro.Como
qualquer iniciativa, os projetos de trocas têm aspetos a melhorar. Embora
encerrem muitas vantagens, é necessário ainda estudar como é que podem permitir
que as pessoas tenham acesso a uma maior amplitude de bens e serviços, que
muitas vezes se encontram circunscritos a roupas em 2a mão e alguns
serviços que nem sempre são suficientes para quem se encontra, por exemplo,
numa situação de grande fragilidade económica e social.
Projetos locais
Diria que a crise, como qualquer outra ocorrência menos
positiva, encerra em si oportunidades para saltos qualitativos se a soubermos
aproveitar para agir e aprender com o passado. Uma economia vibrante e
resiliente é plural, assegurando o princípio fundamental do direito de todos
acederem de forma autónoma e digna aos recursos mínimos que asseguram a sua
qualidade de vida. Depende de todos nós fazer destes projetos locais um
movimento unido, amplo e forte, que efetivamente constitua uma alternativa
complementar, ou seja, mais do que uma reação ao momento.
Saber mais:
Patel, Raj (2010) “O Valor de Nada: como nos podemos
salvar da insanidade financeira”, Editorial Presença, Lisboa
Movimento Internacional de Transição:
http://www.transitionnetwork.org/
Movimentos internacionais de economia colaborativa/da
partilha: http://www.thepeoplewhoshare.pt/; http://www.shareable.net/; http://ouishare.net/en
Carla
Calado
Mail: calado.carla@gmail.com
Linkedin:
Carla Calado
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